Há muito tempo que não escrevia aqui no blogue. Há muito tempo que a motivação falta e a vida corre, sem me deixar grande margem para coisa nenhuma. Nenhuma mesmo.
Mas hoje ganhei coragem. O tema és tu. Porque és tu que estás gravado na minha alma, a ferro e fogo, és tu que me estás no pensamento a cada maldito segundo que passa. Tu... e a tua ausência. E tudo o que ela me causa.
Creio que criei um mundo imaginário na minha cabeça, um conto de fadas, sem qualquer sentido, no qual tu irias durar para sempre e que, eventualmente, eu ainda iria primeiro do que tu, só para não ter de sofrer a tua perda. Mas, efectivamente, este mundo era só meu e não faz sentido, porque a ordem natural da vida assim o diz.
E, por isso, acabaste por me deixar. Por nos deixar. Pelo menos, fisicamente. Não sei descrever o que se sente, até para partilhar com quem nunca perdeu um Pai, porque nunca na vida se está preparado para isto. E não, não eras apenas um Pai. Eras um Pai com P grande, eras o meu melhor amigo, o meu confidente, o meu orientador, a minha bússula, a fonte de uma generosidade que nunca conhecerei em mais ninguém, a minha calma, o meu equilíbrio, a sapiência... e eu sei lá mais o quê.
Daí que, meu caro Pai, a minha vida parou naquele dia 17 de Fevereiro. Ela acabou nesse dia e recomeçou no dia seguinte, de um modo que eu não conheço, ao qual eu não estou habituada, com o qual eu não sei lidar, ainda. Recomeçou, transformando-me completamente como ser humano, como alma. E sim, houve uma parte considerável da minha pessoa que morreu contigo, naquela madrugada.
Disse-te tantas vezes que te amava, mas mesmo assim, não sei se foi suficiente. Dei-te tantos mimos, tantos beijos e tantos abraços, que ainda assim considero escassos, para demonstrar o quanto te amava, ainda te amo e amarei para toda a eternidade.
E hoje, sem ti, dou por mim a pensar que todo o meu cuidado, distanciando-me de ti para não corrermos o risco de te levar o bicho, não fez sentido nenhum. Acabaste por nunca apanhar o bicho, acabaste por nos deixar tão violentamente, tão dolorosamente, que talvez fosse preferível termos corrido todos os riscos do mundo. Sofreste como não me lembro de ver ninguém sofrer. E o que mais me dói, hoje, sem ti, é o teu olhar inocente, em sofrimento, um olhar tão profundo que não precisava de palavras... esse olhar penetrante que me dirigiste, no último dia que estivemos juntos, como que a dizer-me "eu já não vou sair daqui, deste Hospital". Não, não me lembro de ti num caixão de madeira, gélido e pálido. Não! Lembro-me desse dito olhar que me perfurou a pele, a carne, os ossos e a alma para sempre.
E só um dia, quando eu conseguir chegar aí a cima, conseguirei verter todas as minhas lágrimas e dizer-te o quanto me magoou saber que sofrias, que sabias que não irias sobreviver. Porque tu sabias. E disseste-mo com o teu olhar. Aliás, nós não precisávamos de falar um com o outro.
Sinto-me lisonjeada, abençoada, por te ter tido como Pai, como mentor, como tudo. Sou grata de um modo tal, que só mesmo estando aí, desse lado, em energia, consegues perceber... acredito que agora, onde estás, nos consigas ler a todos. E acredito que sintas o inefável amor que te tenho, o grotesco sofrimento que guardo em mim, por trás de todos os sorrisos que esboço diariamente, por trás das frases de força que digo todos os dias.
Sou também grata por ter filhos. Porque se não os tivesse, não faria sentido viver sem ti... e... é isto... não sei mais como expressar o que significa perder, então, um Pai. Um Grande Pai. Quero que saibas que continuo a perguntar-te em pensamento tudo o que te perguntava, só para estar certa de que tomo as decisões correctas. Quero que saibas que percebo todos os teus sinais, orientações...
E quero que saibas que quando chegar aí a cima, quero o abraço que a pandemia não me deixou dar-te no teu último dia. Quero um abraço de 10 minutos no mínimo. Quero que me dês colo, que me digas, como disseste, tantas e tantas vezes nestes últimos 2 anos, que te orgulhas de mim, que sou uma guerreira, que herdei de ti o melhor dos melhores, a força bruta de um furacão, a resiliência, a capacidade de trabalho e mais uma pipa de coisas. Quero que me digas que valeu a pena ser meu Pai, que cumpriste o teu papel, porque o meu caminho terminou e te orgulhou. Seja quando for que isto aconteça.
Até sempre pai. Até já.... até sempre meu amor...
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