A situação que vivemos é dramática, não é novidade. Estamos há quase um ano numa situação que ninguém pediu, ninguém imaginou ser possível e com a qual nenhum de nós sabe lidar.
Ontem foi o dia, O dia. Levantámo-nos da cama, como sempre, e fomos até à cozinha beber o nosso café a dois. Como fazemos todos os dias. Como sempre, comentamos as primeiras notícias do dia juntos, enquanto bebemos o cafézinho quente da manhã. Nem queríamos acreditar. As escolas iam fechar na sexta-feira, hoje.
Esta é uma daquelas situações típicas, em que já sabemos que vai acontecer, que é mesmo preciso, mas que quando efectivamente acontece, parece uma bomba autêntica nas nossas cabeças. E não, cá em casa, a questão não é dar trabalho ter duas crianças em casa. A questão é que a nenhuma criança deveria ser tirado o ser criança, o andar na escola, brincar, sem medos. Ponto final.
Obviamente, estar em casa, em teletrabalho, ter de sair para fazer entregas porque não se pode dizer que não a nada, e há que manter a empresa de pé, ter de apoiar a mais velha e cuidar no mais novo, não é uma situação fácil. Mas não é para nós, nem para pais nenhuns. Não obstante, será certamente mais fácil que outras coisas.
Decidimos que não iríamos levar a Maria Leonor só por umas horas à escola e avisamos o professor que, como sempre, amável, nos apoiou na nossa decisão. Sentámo-nos no sofá, em absoluto e pesado silêncio. Não falamos, mas eu sei que o que ia dentro da cabeça do meu marido, era exactamente o que ia dentro da minha. E agora? O mundo está a ruir à nossa volta e nós, ainda que não queiramos, somos nada mais nada menos que impotentes.
Um verdadeiro tsunami, como já foi relatado por tantos outros durante esta nova vaga de pandemia. Uma onda gigante que nos abalroou em Março passado, sem nos dar tempo para nos agarrarmos a nada.
Eram 9h15m da manhã quando vimos pelos vidros da porta da sala a nossa filha, Maria Leonor, ainda meia sonolenta, dirigir-se à cozinha. Ficou à porta, a olhar para o relógio e automaticamente percebi que estava agitada. Veio à porta da sala, ficou uns segundos ali, parada, a observar as nossas expressões. Não sei porquê, mas nenhum de nós conseguiu dizer absolutamente nada. Observou a nossa cara por uns segundos que me pareceram horas e de lágrimas nos olhos, ainda ali, à porta da sala, deixou cair os ombros e disse: "Oh mãe, por favor! Não! Não me digas que fecharam as escolas outra vez, por favor, mamã!!".
A Maria estava desolada. Correu para o meu colo, com aquele metro e trinta já demasiado grande e soluçou durante uns minutos.
Abracei-a com força e chorei com ela. Sim, chorei. Porque ela balbuciava palavras como "mas porquê, mãe?" e "mas quando é que isto acaba, mamã?" e eu, mãe, adulta, pilar, nada lhe sabia dizer... e portanto, há alturas na vida em que simplesmente não conseguimos ser os fortes da casa. Porque também estamos desesperados e com medo e, acima de tudo, porque a única coisa que queríamos, no alto da nossa insignificância, era protegê-los desta porcaria toda.
Disse-lhe apenas, entre lágrimas, que era um esforço que nos pediam, mais uma vez. Por todos nós.. por todos os que, como a Tia Andreia, lutam diariamente para nos safar... e que tinha mesmo de ser. E que se Deus quisesse haveriam de ser, simplesmente, 15 dias. E sabemos bem que não. Mas não lhe soube dizer mais nada.
O momento em que o mundo desaba no olhar de um filho teu, é o momento em que és invadido por um sentimento de vazio estranho. Neste vazio, fica apenas a frustração por não poderes fazer qualquer coisa que altere o curso da história; a raiva e a revolta, porque tu cumpres e sabes que nem todos o fazem, piorando a cada dia que passa este cenário e prolongando-o no tempo; o desespero, por saberes que não existe fim à vista e não saberes se irás conseguir fazer o teu papel básico de progenitor que é sustentar as tuas crias; o pânico e o medo, que vivem contigo desde que tudo isto começou... um vazio cheio de coisas más, desnecessárias, nefastas... um vazio cheio de lixo, tóxico, que te mata aos bocados...
Comentários
Enviar um comentário
Obrigada pelo seu comentário. O mesmo será aprovado e publicado após revisão.