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Um cavalo selvagem e descontrolado

A idade da adolescência é, normalmente, caracterizada por dúvidas, a sua grande maioria existenciais, daquelas que deixam os jovens à deriva, sem rumo, desesperados e sem perceber qual o caminho a tomar.
 
Nunca pensei chegar aos 37 anos e sentir-me como uma verdadeira adolescente, incapaz de tomar decisões, ou perceber exactamente o que me pode esperar no dia de amanhã.
 
A sensação que tenho é que se perdeu completamente o controlo desta situação toda. Esta semana foi uma verdadeira montanha russa.
 
Foi decretado um novo Estado de Emergência, com medidas que não me competem criticar, porque na verdade eu não sei o que faria se lá estivesse... estado este que a meu ver, demonstrou, mais uma vez, e logo nas primeiras 24h, a natureza do ser humano. O que me leva a crer que talvez, só talvez - e espero que seja, realmente, o meu pessimismo a falar - não vá valer de nada um meio-confinamento, estruturado na boa vontade e civismo de cada um de nós. 
 
No espaço de uma semana, tive conhecimento de variadíssimos amigos com suspeitas de casos em casa, amigos infectados, amigos em isolamento por casos nas escolas dos filhos - quando achávamos que as crianças estavam a ser poupadas de tudo isto, conhecidos que faleceram desta porcaria... enfim, uma reviravolta repentina. Tudo isto me parece simplesmente um cavalo selvagem desenfreado, a correr descontrolado sem qualquer rumo, e todos nós - os normais que respeitam as normas de segurança desta coisa - a correr atrás dele, na tentativa de o fazer parar. Já experimentamos maçãs, torrões de açúcar, eu sei lá. O "sacana" continua, a correr, a bufar, a trote, por aí, sem que o consigamos ver e parar, por nada deste mundo. E, como bom selvagem, à medida que passa, tudo destrói...
 
É mais ou menos isto. A nuvem de poeira é tamanha, que neste momento, nenhum de nós vê coisa alguma com clareza.
 
As normas diferem, dependendo dos delegados de saúde, as versões mudam, os procedimentos também. A nossa linguagem mudou, introduziu-se uma carrada de novos termos tão subjectivos quanto a tentativa da sua objectividade; passamos a viver assustados, receosos da proximidade afectiva que fomentamos durante séculos; alteramos as bases da educação, que alicerçamos na partilha, na bondade, na inclusão, na generosidade, mas que agora contrariamos, porque a dita partilha, a dita proximidade passaram a ser o inimigo.
 
Que sentido de vida poderemos ter, quando temos um filho que se agarra a nós a soluçar e a pedir por favor, para não lhe tirarmos mais uma vez os amigos, o professor, a escola, a brincadeira? O que estamos a fazer? Pensamos nisto, quando não conseguimos evitar ir àquela loja de roupa espectacular? Que prioridades passamos a ter e desde quando? O que nos aconteceu como humanos? Ou nunca o fomos?
 
Quando é que passou a ser normal viver sem perspectivas, sem planos, viver  um dia de cada vez, a medo? É que não, não deixamos de planear rigorosamente a nossa vida para passarmos a vivê-la plenamente! Nós deixamos de planear a vida, de vivê-la mais ou menos stressadamente, para passarmos a simplesmente sobreviver, aqui e agora, porque daqui a pouco, tudo muda e o que era já não é, outra vez. Esta instabilidade mata-me por dentro. Retira-me toda e qualquer motivação. 
 
Se acredito no futuro? Não sei mais. Acredito que a única forma de lá chegar, é entrar em piloto automático, porque os meus filhos precisam de mim de pé, firme, forte. Acredito que não vou pensar se custa, se dói, se tenho medo, se me assusta. Vou ignorar que financeiramente estamos um caco e pior podemos ficar. Vou ignorar que o meu coração me salta no peito de vez em quando sem razão aparente, porque lá atrás, no subconsciente martela a ideia de que não posso fazer absolutamente mais nada... não depende de mim. Só posso continuar a tentar trabalhar, com todas as limitações que me impuseram, só posso continuar a desinfectar as mãos, as superfícies, o mais possível, só posso continuar a isolar-me do resto do mundo, dos que amo, para os proteger e me proteger, só posso continuar a encomendar as compras para não me enfiar na loucura das grandes superfícies, só posso continuar a andar de máscara desde que, à porta da cozinha calço os meus sapatos, até que, à porta da cozinha os descalço. 
 
Não posso fazer mais nada. Porque o mundo passou a ser um cavalo selvagem e descontrolado.
 

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