Lembra-me que a sala tinha um enorme pilar bem no meio, paredes azul turquesa - vai-se lá perceber - uma lareira de lenha enorme e o tecto de vidro, por onde se via o topo dos pinheiros. Era meia oval, esta casa. E entrava-se logo directamente para esta sala gigantesca que depois dava acesso aos quartos. Só me lembro da sala. E lembro-me de estar desconfortável dentro dela, ainda que a achasse lindíssima e perfeita para os meus dois filhos crescerem.
No momento em que estávamos a ver a casa, havia sempre muita gente a entrar e a sair. E recordo-me de pensar que, caso comprasse aquela casa, tinha de vedar tudo em volta para que quando lá estivéssemos não houvesse pessoas a entrar e a sair. Que estupidez. Depois, lembro-me de termos saído para vermos um anexo qualquer desta casa, no qual tínhamos de entrar através de uma mini-portinha super pequenina, no cimo de 3 degraus. E quando lá chegamos, percebi que havia dezenas de ingleses a sair, pela mesma porta por onde agora nós estávamos a entrar.
Vocês não estão a perceber. Instalou-se o pânico. Eu, dentro do meu sonho, levo a mão à cara e percebo que estamos, eu e o Pedro, numa multidão de ingleses, sem máscara. E desato aos gritos qualquer coisa do género: "amor, fogeeeeeeeeeeee!!!!!!!! Estamos sem máscara!!!!!!!!!! Olha a estripe, fogeeeeeeeeeeeee". E acordei, bem no momento em que percebo que tinha acabado de ficar infectada.
Depois de despertar, ainda com os olhos fechados, e nada consciente, creio eu, pensei rapidamente: ok, já não posso, mesmo que queira, ver os meus pais. E agora ligo para a S24? E acordei, finalmente, de olhos bem abertos, de coração a saltar a ponto de o ouvir na minha garganta... foi só um sonho, Sílvia, calma, respira. Sou a única?
Nos últimos tempos, temos assistido a um manancial de informação e contra-informação. São testes negativos falsos, testes positivos que afinal são negativos no dia seguinte, são vacinas que fogem para locais onde não deveriam estar, são pessoas que se filmam a passear em marginais sem máscara, revoltadas porque a polícia as quer autuar, são amigos infectados em casa, outros na linha da frente, são apoios que não chegam a todos, são novas estirpes, são picos que nunca mais se passam, e continuamos ao fim de um ano neste nhó-nhó-nhó, a destruir o mundo como o conhecemos. Sem culpa... acho eu.
O segredo para sobreviver a tudo isto? Não sei, mas eu quero acreditar que o meu propósito é descobrir O sentido no meio deste mundo virado do avesso. O meu propósito é tornar-me numa pessoa melhor. Aprender, crescer com tudo isto. O meu propósito é ultrapassar todos os meus medos e receios, conseguir segurar a minha empresa e a minha casa, ser mais tolerante, abnegar - porque prefiro estar há meses sem ver os meus próprios pais que tanto precisam de mim do que pô-los em risco, é receber cada uma das dificuldades que temos passado com calma, sem desesperar, avaliar cada uma delas e perceber o que está ao meu alcance para mudar a situação.
Não. Não tenho conseguido. Estou diferente como pessoa. Estou mais tolerante. mas ainda entro em pânico com tudo e sim, ainda desespero a cada dia que passa sem receber encomendas, porque começo logo a imaginar que daqui a umas semanas já estamos falidos e os meninos não têm o que comer. O meu Sentido são eles. E só. E isso inclui o meu marido, meu melhor amigo, companheiro de viagem. E inclui não perdê-lo, lutar por esta relação como luto pela empresa e consequente subsistência dos meninos. É igual. Esse é O sentido no mundo que viramos do avesso. Eles, o meu núcleo. Mas, antes deles... eu. Porque se ficarmos todos sozinhos, é connosco próprios que teremos de viver para sempre.
O Sentido é este: fortalecer-me como pessoa, como ser Humano, crescer, ser melhor do que era antes disto tudo, para depois conseguir segurá-los a todos no meu colo de Astronauta, sempre.
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