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"Estava revoltado por não ter sapatos, quando vi alguém que não tinha pés"...

Ultimamente tenho escrito muito acerca do mau estar que nos causa a pandemia. A pandemia passou a andar na boca do mundo e a ser O assunto de todos os nossos dias. É algo que desconhecíamos e que a muito nos obrigou desde cedo. E é algo de que estamos já fartinhos até não podermos mais.
 
Mas a verdade é que nos últimos dias tenho acompanhado algumas publicações nas redes sociais que me dão que pensar. A vida continua, mesmo com Covid. Há pessoas severamente doentes e com problemas gravíssimos, sozinhas e, enquanto nos centramos nos números, na saturação, no confinamento, nas camas dos hospitais, nas finanças a cair pelo cano abaixo, enquanto eu me sinto à beira de um verdadeiro colapso sem sequer fazer parte dos que lutam lá na frente da batalha, há um mundo de merdas que continuam a acontecer e que nos vão passando ao lado.
 
Muito se tem falado do impacto do encerramento das escolas. Muito nos temos queixado do quão difícil é conciliar o trabalho que não pára, com os guinchos das crianças que impacientes pedem atenção. Mas...
 
As minhas crianças são saudáveis, não têm doenças, nem problemas, nem requerem cuidados especiais da minha parte. São apenas e tão-somente, crianças. E por isso, como todas as crianças, pedem atenção e gritam. 
 
Conheço alguns casos de pessoas que já lutavam muito, levando uma vida de cão antes do Covid. Porque infelizmente, os seus filhos não nasceram cheios de saúde, como os meus. E, portanto, agora com Covid, temem muito mais pelos seus, sofrem ainda mais, choram ainda mais, e sentir-se-ão de certeza, muito mais desesperados e à beira do abismo do que eu.
 
Estas pessoas, continuam a ter de frequentar Hospitais quase diariamente, na esperança de salvar a vida dos seus filhos, sem sucesso, porque algumas delas lidam com doenças que não têm cura. E estas pessoas, estas sim, não conseguem de todo trabalhar, ainda que precisem ou queiram. Porque há todo um mundo de cuidados que têm de continuar a ser prestados, agora a tempo inteiro e, muitas vezes, sem ajuda.
 
Conheço também algumas pessoas que já têm dificuldade em comprar comida para a sua mesa. Para os seus filhos. Eu, levei o maior tombo financeiro da minha vida, mas comida, ainda há.
 
E o que é facto, é que, perante uma pandemia e tudo o que ela envolve, perante tudo o que tivemos de aprender a fazer para sobreviver a ela, perante tudo o que tivemos de abdicar por ela, ou pela nossa protecção, perante todo o desespero que possamos estar a sentir, o medo de não conseguirmos passar isto sem danos graves nas nossas vidas, eu não estou, nem de perto nem de longe, tão mal assim.
 
Não invalida que não sinta tudo o que tenho vindo a escrever aqui, não torna menos válidos esses sentimentos. Cada um de nós tem os seus problemas e eles parecem maiores ou menores, conforme a vida de quem os lê. Mas, agradecer sempre, porque tenho saúde, posso trabalhar. Posso dar a volta por cima caso não corra bem. Agradecer porque tenho um tecto e uma cama para dormir. Não tendo a casa dos meus sonhos, tendo esse projecto sido aniquilado pela pandemia, não faz mal, caramba! Tenho onde dormir, todos os dias. Confortavelmente. 
 
Agradecer porque todos os dias, todos, não falta comida na mesa. Não me falta sopa no frigorífico, nem carne, nem peixe, nem fruta, nem água, nem ....
 
Agradecer todos os dias, porque embora tenha o meu pai tão doente ainda o tenho. Não posso abraçá-lo e acompanhá-lo nestes dias tão duros, mas posso ligar-lhe e vê-lo pela câmara e dizer-lhe que o amo e que estou aqui. 
 
Agradecer porque tenho um marido. Aliás, tenho um Santo, que me acompanha desde 2002, sempre, sem questionar, sem recuar, sem me abandonar. Um melhor amigo, um equilíbrio, um companheiro, um super pai, um tudo o que eu preciso. 
 
Agradecer porque tenho sogros que me estendem a mão sempre que estou aflita e os meus pais não me podem ajudar. Sempre. Que me chamam "filha", que têm 1001 defeitos mas que, ao fim de quase 20 anos ali estão, para o que eu precisar. Uma sogra que me diz "és uma grande mulher, uma guerreira". 
 
Agradecer porque tenho a sorte, a dádiva de ser mãe. De duas crianças lindíssimas, saudáveis, sem problemas. Nenhuns. 
 
Agradecer por ter compadres que eu amo do fundo do coração, amigos próximos - poucos mas bons - que são família. A quem posso ligar a qualquer hora do dia ou da noite e que, eu sei, fazem o que estiver ao seu alcance para me estender a mão quando preciso.
 
Agradecer porque estou lúcida. Porque sou espiritualmente aberta, porque sei que tudo na vida tem um cabrão de um propósito, ainda que eu possa não percebê-lo logo. Agradecer por ver, claramente, que tudo isto veio para me testar, me fazer crescer.
 
"Estava revoltado por não ter sapatos, quando vi alguém que não tinha pés".

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